Dia | Local | Horário | Tema | Colaboradores |
04/05 | Local: Salão Verde - IE | 9:00 hs | América Latina | Prof° Leandro Lapa (DCS/UFRRJ) |
11/05 | Local: Salão Verde - IE | 9:00 hs | Formação Profissional e Currículo | Prof° Aloísio Jorge de Jesus Monteiro (IE/UFRRJ) |
18/05 | Paulo Freire (ICHS) | 9:00 hs | Filme Debate: Ao Sul da Fronteira(sugestão) | Profª Flavia Vieira |
01/06 | Local: Paulo Freire (ICHS) | 9:00 hs | Ensino de Sociologia | Profª Julia Polessa (FE/UFRJ), Profª Suemy Yukizaki (IE/UFRRJ),, Prof° Marco Antonio de Moraes (IE/UFRRJ), Profª ????? ( Escola de Ensino Médio de Seropédica) |
08/06 | Local: Salão Verde - IE | 9:00 hs | Extensão Universitária | Profª Cesar Da Roz( DCS/UFRRJ ) Prof° José Claudio (DEXT/UFRRJ) |
15/06 | Local: Salão Verde - IE | 9:00 hs | Expressões Culturais e Movimento Estudantil / Combate as Opressões | Discussão interna dos estudantes de ciências sociais da UFRRJ. |
29/06 | Paulo Freire (ICHS) | 9:00 hs | Organização Nacional: Executiva | Discussão interna dos estudantes de ciências sociais da UFRRJ. |
quinta-feira, 5 de maio de 2011
PRÉ-ENECS UFRRJ 2011
quinta-feira, 17 de março de 2011
I CURSO DE FORMAÇÃO POLÌTICA DE COORDENADORES
Introdução
O Movimento Estudantil de Ciências Sociais (MECS) tem se (re)configurado e (re)articulado em âmbito nacional. Frente essas mudanças, temos percebido - a partir da participação nos espaços nacionais – a necessidade de consolidarmos um coletivo de estudantes comprometido com as lutas locais, regionais e nacionais do MECS. Avaliamos que há uma demanda por espaços de formação e discussões sobre temas que compõem as bandeiras de lutas que unificam o MECS nacionalmente. A partir desse mapeamento, nos propomos a criar um espaço de discussão que vise o acumulo teórico a respeito das bandeiras de luta do MECS – Nacional, o que irá contribuir diretamente na formação de militantes para o MECS – UFRRJ. Frente a dificuldade encontrada no processo de mobilização do estudantes de Ciências Sociais, esse espaço tem como proposta inicial a formação e consolidação de um coletivo que estará mobilizando os estudantes na UFRRJ.
Objetivo
O Objetivo desse espaço é formar e consolidar um coletivo comprometido com as pautas do MECS nacional, atentando também para as demandas locais e regionais. Nossa pretensão busca ultrapassar os limites da acadêmica a partir do dialogo com a sociedade civil e com Movimentos Sociais populares , visando contribuir em suas lutas cotidianas.
Público - Alvo
Estudantes de Ciências Sociais da UFRRJ.
Vagas
- 15 vagas
Programação
DIA | 1º 16 de Março Quarta-feira | 2º 17 de Março Quinta-feira | 3º 18 de Março Sexta-feira |
MANHÃ 9:00 hs | Conjuntura e Políticas Educacionais e a Sociologia no Ensino Médio Anita Handfas (FE/UFRJ) | Extensão Universitária Elisa Guaraná (DCS/UFRRJ) | |
TARDE 13:30 hs | Movimento Estudantil e Processo Organizativo Cesar Da Roz ( DCS / UFRRJ) | Conjuntura na América Latina Amanda Matheus (MST) |
Comissão Organizadora:
Ana Karolina Leones – ana.k.leones@gmail.com
Joyce Gomes de Carvalho – joyceufrrj@yahoo.com.br
Robson Cassio – robsoncassio@hotmail.com
Tarcio Leal Pereira – tarciolpereira@hotmail.com
quinta-feira, 3 de março de 2011
Egito: revolução espontânea e das margens
BY BRUNO CAVA – 06/02/2011
Por Mohamed Bamyeh, do Jadaliyya (ezine independente produ zida pelo Instituto Árabe de Estudos), em 6.2.2011 | Tradução: Bruno Cava
Nunca uma revolução que parecia tão sem perspectivas ganhou ímpeto tão rapidamente e tão inesperadamente. A Revolução no Egito, começando em 25 de janeiro, careceu de liderança e teve pouca organização. Seus eventos decisivos, na sexta, dia 28 de janeiro, ocorreram num dia quando todas comunicações, incluindo todos os telefones e a internet, foram bloqueadas. A revolução aconteceu num grande país conhecido por uma vida política sedada, um legado muito longo de autoritarismo contínuo, e um aparato repressor impressionante, com mais de dois milhões de membros. Mas nesse dia, o regime de Hosni Mubarak, encastelado há 30 anos e que parecia eterno, o único regime que a vasta maioria dos manifestantes já conheceram, evaporou em um dia.
Embora o regime continue a batalhar, praticamente pouco governo existe. Todos os ministérios e órgãos governamentais foram fechados, e praticamente todos quartéis da polícia foram postos abaixo em 28 de janeiro. Exceto pelo exército, todo pessoal de segurança despareceu, e uma semana depois do levante, somente poucos policiais aventuraram-se nas ruas de novo. Comitês populares desde então têm assumido a segurança dos bairros. Vejo patriotismo expresso por toda parte na forma de um orgulho coletivo, na percepção de que pessoas que não se conheciam entre si podem agir juntas, intencionalmente e com um propósito. Durante a semana e meia seguinte, milhões convergiram às ruas em praticamente todos os lugares d o Egito, e se podia ver empiricamente como uma ética nobre — comunidade e solidariedade, cuidado com os outros, respeito pela dignidade de todos, sentimento de responsabilidade pessoal — emergiu precisamente quando da desaparição do governo.
Sem dúvida esta revolução, que continua a desenvolver-se, pode ser um evento fundante das vidas de milhões de jovens que se lançaram a ela no Egito. Talvez também de muitos outros milhões de jovens que a acompanharam pelo mundo árabe. Está claro que provê à nova geração uma grande demonstração do tipo que tem moldado a consciência política de cada geração anterior, na história árabe moderna. Todas essas experiências fundantes de gerações passadas também asseguraram importantes momentos nacionais, seja nas derrotas catastróficas, seja nos triunfos contra as potências coloniais ou aliados.
Esta revolução também deixará marcas profundas no tecido e mentalidade sociais por muito tempo, mas de um jeito tal que vai além da juventude. Enquanto a juventude era a força viva dos primeiros dias, e revolução rapidamente se tornou nacional em todos os sentidos. Com o passar dos dias, vi uma mistura demográfica crescente nas manifestações, onde pessoas de todos os grupos etários, classes sociais, homens e mulheres. Muçulmanos e cristãos, moradores da cidade e camponeses — virtualmente todos os setores sociais, agindo em grande quantidade e com uma determinação raramente vista antes.
Cada pessoa com quem falei ecoou temas similares de transformação. Sublinharam o seu maravilhamento em como descobriram de novo o vizinho, em como nunca souberam o que era viver em “sociedade”, o sentido dessa palavra, até este evento, e como cada um que ontem parecia tão longe, agora está tão perto. Vi mulheres camponesas fornecendo cebolas aos manifestantes, para ajudá-los na recuperação dos lançamentos de gás lacrimogêneo; jovens dissuadindo outros de atos de vandalismo; o Museu Nacional sendo protegido da pilhagem por um cordão humano; manifestantes protegendo inimigos capturados de serem feridos covardemente, e incontáveis outros incidentes de civilidade generosa em meio à destruição e caos domin antes.
Também vi como as demonstrações alternaram entre cenas de combate e círculos de debates, e como elas proveram um espetáculo renovado em que cada um podia ver os diversos segmentos da vida social convergindo na idéia comum de derrubar o regime. Enquanto a mídia mundial ressaltava o caos incontrolável, as implicações regionais e o espectro do islamismo no poder, a perspectiva da formiga revelou a relativa irrelevância das supracitadas considerações. À medida que a Revolução se delongava mais e mais em cumprir a missão de derrubar o regime, os manifestantes eles mesmos começaram a despender mais tempo realçando outras realizações, tais como o surgimento de uma nova ética precisamente no meio do caos. Is to evidenciou a partilha de um senso de responsabilidade pessoal pela civilização — limpeza voluntária das ruas, não sair da linha, a desaparição do assédio a mulheres em público, a devolução de objetos furtados ou achados e incontáveis outras decisões éticas que geralmente são ignoradas ou deixadas para os outros se preocuparem.
Existem aspectos básicos associados com este evento magnífico que são vitais, eu penso, para entender não somente a Revolução Egípcia, como também os levantes árabes de 2011. Esses aspectos incluem: o poder de forças à margem do sistema; a espontaneidade como a arte do movimento; o caráter cívico em contraste ético à barbárie estatal; a prioridade do político sobre todas outras demandas, inclusive econômicas; e por último a surdez autocrática, significando o despreparo doentio das elites no poder em escutar as primeiras reverberações, reduzidas por elas a ruído do populacho que poderia ser facilmente calado com os meios usuais.
Em primeiro lugar, a marginalidade significa que a revolução começou nas bordas. Na Tunísia, começou desse jeito, em áreas marginalizadas, a partir das quais migrou à capital. E da Tunísia, ela mesma relativamente marginal no contexto mais amplo do Mundo Árabe, viajou ao Egito. Obviamente a situação em cada país árabe é diferente, em termos de indicadores econômicos e grau de liberdade, porém me impressionou quão consciente a juventude do Egito era do exemplo tunisiano que lhe precedeu em apenas duas semanas. Muitos me disseram o orgulho que parecia ser concretizar em poucos dias o que os tunisianos levaram um mês.
A marginalidade parece ter sido um fator importante no Egito também. Enquanto boa parte da mídia foca na Praça Tahir e em Cairo central, aonde fui todos os dias, a grande presença lá era uma expressão de uma possibilidade [de extensão do movimento], o que subitamente ficou evidente em 25 de janeiro, quando grandes protestos irromperam em 12 províncias egípcias.
Em segundo lugar, em todos os sentidos a revolução manteve através de si uma natureza de espontaneidade, no sentido que não contou com organização permanente. Em vez disso, as necessidades de organização — por exemplo governar como comunicar o que fazer no dia seguinte, quem chamar naquele dia, como remover os feridos, como repelir os assaltos inimigos, e como formular as demandas — emergiram no campo direta e continuamente, para responder às novas situações. Além disso, a revolução careceu de liderança reconhecida do começo ao fim, um fato que pareceu importar mais aos observadores, mas não aos participantes. Vi vários debates em que participantes fortemente resistiam serem representados por qualque r grupo ou líder preexistente, assim como resistiam às solicitações que designassem “representantes”, com quem alguém, como al-Azhar ou o governo, pudessem tratar. Quando o governo pediu que alguém fosse designado como porta-voz para a revolta, muitos participantes desafiadoramente nomearam um dos desaparecidos, só esperando que essa designação pudesse acelerar a sua reaparição. Uma declaração comum que ouvi foi “quem decide é o povo”. Pareceu que a idéia de poder popular se tornou grande demais para ser representável por qualquer autoridade concreta ou liderança, ou então que essa representação viria a diluir a implicação profunda, quase espiritual, da noção de “o povo”, como um ser completo em movimento.
A espontaneidade foi um elemento-chave porque tornou a Revolução difícil de prever ou controlar, e porque conferiu um nível incomum de dinamismo e leveza — tão grande que muitos milhões permaneceram completamente comprometidos à prioridade coletiva de derrubar o regime, representado por seu presidente. Mas também pareceu que a espontaneidade teve papel terapêutico e não apenas organizacional ou ideológico. Mais do que um participante me disse como a revolução era psicologicamente libertadora, porque toda a repressão que eles tinham internalizado e a autocrítica e a percepção de fraqueza inata eram no humor revolucionário extravasado em energia positiva e na descoberta da autoestima, de uma conexão mai s real que superficial com os outros, e o poder ilimitado de mudar uma realidade congelada. Ouvi o termo “despertar” sendo usado sem parar para descrever o movimento como um todo, como um tipo de emergência espontânea para fora de uma condição de profunda dormência, que nenhum programa partidário pôde chacoalhar antes.
Ademais, a espontaneidade foi responsável, aparentemente, pelo crescente escopo de metas do levante, partindo de básicas demandas reformistas em 25 de janeiro, à mudança total do regime três dias mais tarde, e então à rejeição de todas as concessões feitas pelo regime enquanto Mubarak estiver no poder, e [finalmente] a levar Mubarak a julgamento. Remover Mubarak não era de fato uma demanda séria de todo mundo em janeiro de 25, qando os slogans relevantes condenavam a possível candidatura de seu filho, e convocavam Mubarak a não se candidatar de novo. Mas no final do dia em 28 de janeiro, a remoção imediata de Mubarak de seu gabinete tinha se tornado um princípio inamovível, e com efeito parecia que isso iria acontecer. Aqui se percebeu o que era possível através de um movimento espontâneo, em vez de um programa, organização ou liderança estáticos. Espontaneidade então se tornou o compasso da Revolução e o modo pelo qual encontrou seu caminho, até atingir o seu destino radical.
Provou-se difícil portanto persuadir os manifestantes em desistir do caráter espontâneo da Revolução, uma vez que a espontaneidade já tinha provado a sua força. Espontaneidade então gerou mais confiança que qualquer outro estilo de movimento, e dessa confiança emergiu, tão longe se podia ver, a disposição dos manifestantes em sacrificar-se e ao martírio. Espontaneidade também apareceu como modo pelo qual o caráter carnavalesco da vida social foi trazido ao teatro da revolução, como forma de expressar a liberdade e a iniciativa popular; por exemplo, entre milhares de faixas e cartazes que vi nas demonstrações, não havia quase nenhum dos padronizados (como se veria numa passeata pró-governo). Em vez di sso, a maioria absoluta dos sinais era individual e feita à mão, escrita ou desenhada sobre todos os tipos de materiais e objetos, e era orgulhosamente exposta pelos próprios autores, que desejavam ser fotografados por outros. Espontaneidade, além disso, provou-se altamente útil para a comunicação em rede [networking], pois a revolução se tornou essencialmente uma extensão da natureza espontânea da vida quotidiana, em que cada pequeno detalhado planejamento era preciso ou possível, e no qual a maioria das pessoas já estava acostumada a resolver comunicando-se com os outros em rede, em meio à imprevisibilidade do dia-a-dia, vigente em tempos ordinários.
Mas enquanto a espontaneidade propiciou à Revolução muitos de seus elementos de sucesso, também significou qua transição à nova ordem seria projetada pelas forças existentes de dentro do regime ed a oposição organizada, uma vez que os milhões nas ruas não tinham nenhuma força singular que pudesse representá-los. A maioria dos manifestantes com quem falei, contudo, parecia menos preocupada com esses detalhes do que no cumprimento das demandas básicas, que, aparentemente, garantiam a natureza mais justa de qualquer sistema subseq uente. Como finalmente elbaorado uma semana depois do início da Revolução, essas demandas se tornaram as seguintes: remoção do ditador, dissolução do parlamento e eleição de um novo, emenda à constituição para reduzir o poder presidencial e garantir mais direitos, abolir o estado de emergência, por em julgamento os funcionários de alto escalão corruptos, bem como todos aqueles que ordenaram atirar nos manifestantes.
Terceiro, destacável como a substituição virtual das referências religiosas pela ética civil se tornou presumida como universal e autoevidente. Este desenvolvimento pareceu mais surpreendente que no caso da Tunísia, já que no Egito a oposição religiosa sempre foi poderosa e alcançou virtualmente todos os setores da vida. A Fraternidade Muçulmana juntou-se depois do inícios dos protestos, e como todas as demais forças políticas organizadas do país pareceu se sentir acuada com os desenvolvimentos e incapaz de dirigi-los, tanto quanto o governo (com seus aliados regionais) procurou inflacionar o papel delas.
Isto, eu acho, está substantivamente conectado a dois elementos citados antes: espontaneidade e marginalidade. Ambos os processos seguiram-se à politicização de estamentos anteriormente desarticulados, e também corresponderam às demandas mais amplas que não exigiam o linguajar religioso em particular. Na verdade, a religião apareceu como um obstáculo, especialmente à luz das tensões recentes sectárias no Egito, e contradizia o caráter emergente da Revolução como acima de todas as linhas divisoras da sociedade, inclusive a religião ou religiosidade de cada um. Muitas pessoas oraram em público, claro, mas eu nunca vi ninguém sendo pressionado ou mesmo questionado a juntar-se a eles, a despeito dos tons alt amente espirituais de uma atmosfera saturada de fortes emoções e constantemente alimentada com histórias de martírio, injustiça e violência.
Como na Revolução Tunisiana, no Egito a rebelião eclodiu como uma espécie de terremoto moral coletivo — onde as demandas centrais eram muito básicas, e então se agruparam ao redor do respeito ao cidadão, dignidade e o direito natural de participar da construção do sistema que governava as pessoas. Se aqueles mesmos princípios tinham sido exprimidos em linguajar religioso antes, agora eles eram expressos como tais e sem qualquer mistificação ou necessidade de autoridade divina para justificá-los. Vi o significado dessa transformação quando mesmoparticipantes da Fraternidade Muçulmana conclamaram em certo ponto todos a um estado “cívico” (NA: madaniyya) — explicitamente distinguindo-se de duas alternativas: estado “religioso” (diniyya) ou estado “militar” (askariyya).
Quarto, um desenvolvimento forte depois de 28 de janeiro foi o fato que as demandas políticas radicais elevaram-se tanto que todas as outras insatisfações — inclusive a respeito das condições econômicas ruins — permaneceram subordinadas a elas. As demandas políticas eram mais claras que outros tipos de demandas, todos concordavam nelas, e todos partilhavam da conclusão que todos os outros problemas poderiam ser melhor negociados uma vez se colocasse um grupo responsável no poder. Assim, o combate à corrupção, uma pauta central, foi um caminho pelo qual das insatisfações econômicas foram traduzidas em linguagem política simples de ser entendida. De todo modo, correspondeu à realidade, porque o sistema política tinha se tornado basicamente um sistema de roubo à plena luz do dia. Por meses antes da revolução, todos tinham uma história pra contar sobre a corrupção ostantatória da elite político-empresarial-pilantra que se mais beneficiava do sistema. Essas histórias tendiam a condensar ao redor do filho de Mubarak. Alguns dos membros dessa elite, reportadamente, dedicaram-se a recrutar gorilas, que aterrorirazam os manifestantes por dois longos dias e noites, em 2 e 3 de fevereiro.
Quinto, como em todos lugares do Mundo Árabe, um fator central que contribuiu foi a surdez autocrática. O ressentimento maciço corrente forneceu combustível para o vulcão, tendo acumulado por anos por causa das elites no poder. Sua permanência por tanto tempo no poder fez com que elas esquecessem completamente quem era seu povo e como ler as demandas popular, por assim dizer. Elas não ouviram o barulho borbulhante antes da Revolução, e quando ela eclodiu foram muito lentos em escutar qualquer outra coisa que não um ruído indiferenciado. A via de mão única da comunicação autocrática não permitiu escutar nada de volta, ela e se dirigia aos destinatários das ordens como se fossem mera audiência ou emitente s de um barulho incoerente. Ao longo da Revolução, esta surdez das estruturas do poder ficaram evidentes com a lentidão e incerteza das respostas governamentais. No dia seguinte às manifestações de 25 de janeiro, editores dos jornais do governo menosprezaram os eventos. Em 28 de janeiro, quando todo Egito estava em chamas, e muitos líderes mundias emitiram declarações com preocupação, o governo do Egito permanecia completamente silencioso — até que Mubarak finalmente falou à meia-noite, dizendo exatamente o oposto de tudo o que todos esperavam que ele dissesse. Ele pensou que estava fazendo uma grande concessão, mas uma que — como qualquer assessor inteligente teria lhe dito — só podia ser interpretada como uma provocação, resultando em muito mais dias de protestos. Assim no dia 1º de fevereiro, ele fez outro discurso, também pensando que estava fazendo grandes concessões, embora novamente, foi recebido pelos manifestantes como o cúmulo da arrogân cia.
Ele estava, num certo sentido, sempre respondendo ao que ele deve ter interpretado como barulho incoerente, emergindo de massas indiferenciadas que poderiam ser acalmadas com a aparência de compromisso. As autocracias árabes há muito tempo estão acostumadas a aproximar-se de seu povo ora com desprezo, ora com condescendência. Elas não são mais habilidosas na arte da comunicação (conquanto Muhammad Shafiq, o novo primeiro-ministro, tem tentado fazer o melhor nesse campo). Claramente, a surdez autocrática foi o maior fator na escalada da revolução. Muitos manifestantes sugeriram-me que o que Mubarak falou em 28 de janeiro teria resolvido a crise se ele tivesse dito no dia 25, quando ele nada disse. E o que ele d isse em 1º de fevereiro teria também resolvido a crise, se tivesse dito em 28 de janeiro.
Quando nenhuma dessas concessões conseguiram dispersar a crise, os novos nomeados por Mubarak não tinham mais argumentos sérios para explicar por que ele pretendia manter-se no poder só por mais alguns meses, em face de uma revolta determinada que, na verdade, não estava desafiando várias outras porções do sistema. Em 3 de fevereiro, seu novo primeiro-ministro disse que não era comum na cultura egípcia um líder sair sem sua dignidade. Citou como evidência a saudação concedida ao rei Farouk quando fora forçado a sair do Egito em 1952! E no mesmo dia, seu novo vice-presidente opinou que é contra a índole da cultura egípcia insultar a figura do pai, que ele alega ser Mubarak em relação ao povo do Egito (n um momento de esquecimento da revolução logo ali fora). E o próprio presidente declarou no mesmo dia que ele não poderia possivelmente renunciar, porque se assim fizesse o país decairia no caos — incrivelmente, não percebendo o que todo mundo no país sabia: que o caos já estava em todo lugar.
Quando não há surdez autocrática, todos os políticos bem-sucedidos, inclusive os manipuladores, sabem que a arte da manobra consiste em antecipar o próximo passo de seu inimigo ou audiência, de modo que você já esteja ali antes que seja tarde demais. Aqui nós tivemos a situação exatamente oposta: uma autocracia letárgica, não tendo nunca conhecido qualquer contestação séria, estava desavisada de quem se tornariam seus inimigos, que neste caso eram mais ou menos a vasta maioria do país. Com isso, em 2 de fevereiro alguns dos simpatizantes de Mubarak não acharam nada melhor para fazer do que enviar camelos e cavalos para dispersar a multidão na Praça Tahir, o que refletia o seu caráter antiquado: um reg ime de uma era ultrapassada, com nenhuma conexão com o tempo à mão. Foi como se uma ruptura no tempo acontecera, e nós estávamos testemunhando uma batalha do século 12. De minha perspectiva naquela multidão, era como se eles cavalgavam através e depois eram engolidos direto na dobra do passado. Em contraste, comitês populares na vizinhança, com suas armas rudimentares e completa ausência de ilusões, representavam o que a sociedade já tinha se tornado com esta revolução: um corpo real, controlando seu presente e de baixo pra cima.
Neste momento, fora do peso morto de décadas de autodesprezo e ensimesmamento, emergiu ordem espontânea para fora do caos. Esse fato, melhor do que a condescendência patriarcal impessoal, representa a melhor esperança para a aurora de uma nova ordem civil.
–
Mohamed Bamyeh é professor de sociologia na Universidade de Pittsburgh, Ph. D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, com áreas de interesse em estudos islâmicos, sociologia da religião, globalização política cultura, sociedade civil e movimentos sociais, autor de diversos livros como Anarchy as Order: The History and future of Civic Humanity (2009); Of Death and Dominion: The Existential Foundations of Governance (2007); The Ends of Globalization (2000); e The Social Origins of Islam: Mind, Economy, Discourse (1999).
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Como o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotóxicos
ter, 2011-02-22 13:32 — admin
A pesquisadora Lia Giraldo, da Fiocruz, analisa o papel do lobby que transformou o país no principal consumidor de venenos agrícolas
22/02/2011
Raquel Júnia
A pesquisadora Lia Giraldo explica como os agrotóxicos foram introduzidos no Brasil a ponto de o país ser hoje o campeão mundial no uso de venenos. Lia é pesquisadora do departamento de saúde coletiva, do laboratório Saúde, Ambiente e Trabalho, da Fiocruz Pernambuco. Ela coordena um grupo de pesquisadores responsáveis por revisar os estudos científicos existentes sobre onze agrotóxicos que estão em processo de revisão pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O uso de agrotóxicos no Brasil vem crescendo ano após ano. O país lidera o ranking dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo. Por que consumimos tanto veneno?
Desde a década de 70, exatamente no ano de 1976, o governo criou um plano nacional de defensivos agrícolas. Dentro do modelo da Revolução Verde os países produtores desses agroquímicos pressionaram os governos, através das agências internacionais, para facilitar a entrada desse pacote tecnológico. Em 1976, o Brasil criou uma lei do plano nacional de defensivos agrícolas na qual condiciona o crédito rural ao uso de agrotóxicos. Assim, parte desse recurso captado deveria ser utilizada em compra de agrotóxicos, que eles chamavam, com um eufemismo, de defensivos agrícolas. Então, com isso, os agricultores foram praticamente obrigados a adquirir esse pacote tecnológico. E também com muita rapidez foi formatado um modelo tecnológico de produção que ficou dependente desses insumos, e isso aliado ainda a uma concentração de terras, mecanização, com a utilização de muito menos mão de obra. Tivemos um grande êxodo rural: de lá para cá o Brasil mudou completamente, era um país rural e virou um país urbano, seguindo um fenômeno que aconteceu também em outros países. Então, o Brasil se rendeu às pressões econômicas internacionais na defesa desse modelo. Depois disso houve muito lobby político, inclusive, tivemos ministro ligado a empresas produtoras de agrotóxicos. E isso fez com que o Brasil não só passasse a ser consumidor, mas também produtor desses produtos. As cinco maiores produtoras de agrotóxicos têm fábricas no Brasil – Basf, Bayer, Syngenta, DuPont e Monsanto. E depois, dentro dessa linha, e associado ao ciclo de algumas monoculturas como a soja, o algodão, o café e a cana de açúcar, esse modelo casou bem com o modelo de produção de monocultura extensiva, demandando cada vez mais terras, cada vez expulsando mais o pessoal do campo para a cidade. Na divisão internacional do capital, o Brasil ficou com esse perfil de exportador de commodities, com um modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio e essa é a explicação para sermos os campeões no uso de agrotóxicos.
A pressão para que os agricultores passassem a usar agrotóxicos também foi colocada em prática nos outros países do hemisfério sul?
Sim. Se analisarmos países da América Latina, como a Argentina e o Uruguai, cada um com suas características, perceberemos que isso se repete. Mas no Brasil esse quadro ganha proporções maiores com o nosso gigantismo territorial e também facilidades e estratégias de abertura para o capital externo, com um governo absolutamente permeável. O Brasil estranhamente tem dois ministérios da agricultura, um para o agronegócio, que é o “gordão”, com bastante dinheiro, e outro para a agricultura familiar, que é magrinho e com pouquinho dinheiro. São dois ministérios da agricultura com políticas completamente divergentes. E por onde a bancada ruralista consegue pressionar a Casa Civil? Por dentro. Criaram uma estrutura por dentro do governo, que é o Mapa [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento], onde passam os interesses do agronegócio.
E quais são as características desses agrotóxicos hoje. Eles são mais tóxicos do que nos anos 70?
A evolução da toxidade tem mais a ver com a resistência das pragas aos produtos. A motivação da evolução não é para produzir produtos menos tóxicos para a saúde ou o meio ambiente. Mas sim porque a natureza reage e as pragas se tornam mais resistentes, e as empresas são obrigadas a produzir novas moléculas para os agrotóxicos serem efetivos. Isso está aliado também com o aumento da quantidade de uso, porque enquanto eles não conseguem produzir uma nova molécula a qual a praga seja mais sensível, eles aumentam a carga de agrotóxico. Então, existe uma toxidade e um perigo com a introdução de novas moléculas, que são mais tóxicas para os seres vivos, portanto para nós, seres humanos também – para as células, para o DNA, para as estruturas biológicas. Mas também há um grande perigo quando se aumenta a concentração de um produto que está tendo baixa eficácia e se aplica esse produto sozinho ou associado a outro ou a um coquetel de outros produtos tóxicos. Se, aumentando a concentração de determinado produto, ele já começar a ameaçar a saúde pública, esse produto já não pode mais ser usado. Aí inventam uma outra molécula, e assim vai. E como as experiências feitas para o registro são baseadas apenas em efeitos agudos – ou seja, a morte – e não há testes de longo prazo principalmente para a saúde humana, a nova molécula é registrada. Mas uma coisa é ver se um ratinho desenvolve câncer em seis meses ou um ano e outra coisa é uma pessoa ficar exposta durante muitos anos. Então, esses aspectos não são levados em consideração para o registro de novos produtos e, com isso, eles têm conseguido registrá-los, até que nós comecemos a registrar novamente danos à saúde e ao meio ambiente e uma série de efeitos negativos que vão então permitir que a agência reguladora casse o registro ou restrinja os produtos.
E quais as consequências disso para o meio ambiente e a saúde dos trabalhadores rurais e também para a população de modo geral?
As consequências vistas em estudos experimentais são evidências importantes, mas não são suficientes. Porque pode-se alegar que foi em determinado contexto, que é para uma determinada espécie e não para outra, então cria-se sempre uma flexibilidade na hora de extrapolar os dados para a saúde humana. É muito difícil estabelecer essas regras de consumo e de proteção baseando-se nos parâmetros que são adotados, porque eles são criados justamente para proteger o capital. É necessário, portanto, que tenhamos outros indicadores de vigilância da saúde que não sejam apenas esses restritos a estudos experimentais em animais, mas sim baseados em estudos clínicos e epidemiológicos. Há uma resistência quanto a esses estudos serem internalizados como parâmetros para tomar as decisões de registro ou de captação de uma molécula, porque ou os estudos não existem, ou são muito restritos. O governo, as universidades e mesmo as empresas não incentivam esses estudos e a falta desse tipo de informação é uma política para manter a outra política, porque obviamente favorece a manutenção do modelo. Mas existem muitas evidências de danos dos agrotóxicos à saúde, só que, infelizmente, pelos protocolos que são estabelecidos, esses danos não são reconhecidos para a tomada de decisão. (Publicada no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fiocruz)
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Nota Pública sobre os Impactos da Implementação da Usina Hidrelétrica Belo Monte Amazônia - Brasil
O grupo de pesquisadores, professores universitários e estudantes de pós-graduação que constitui o Painel de Especialistas tem dialogado, nos últimos dois anos, com os movimentos sociais e indígenas da região de Altamira sobre o Projeto da UHE Belo Monte, com a finalidade profícua de produzir uma análise criteriosa dos documentos referentes ao seu processo de licenciamento. Neste momento em que o IBAMA autoriza a construção de obras (canteiros, prédios, estradas), o desmatamento de 238, 1 hectares, e a abertura de clareiras e picadas nos rios Bacajá e Xingu, mediante a Licença de Instalação nº 770/2011, a Autorização de Supressão de Vegetação nº 501/2011 e a Autorização de Abertura de Picada nº505/2011, respectivamente, o Painel de Especialistas vem manifestar seu posicionamento de repúdio a estes novos atos para o avanço da construção da contestada Hidrelétrica de Belo Monte e convocar os cientistas do Brasil e do mundo para se unirem em defesa da Amazônia e, especialmente, da VIDA.
1. Em outubro de 2009, o Painel de Especialistas, composto por antropólogos, sociólogos, biólogos, engenheiros elétricos e mecânicos, economistas geógrafos, especialistas em energia, ecólogos, ictiólogos, hidrólogos, etnólogos, zoólogos, cientistas políticos e pesquisadores da área de saúde pública e da assistência social, protocolou no IBAMA e no Ministério Público Federal um documento de análise crítica dos Estudos de Impacto Ambiental da UHE Belo Monte (disponível em www.internationalrivers.org/files/Resumo%20Executivo%20Painel%20de%Especialista out2009.pdf), no qual apontava, dentre outros, 8 pontos críticos do projeto:
a) A subestimativa de impactos decorrente da inadequação metodológica e conceitual utilizada na delimitação de área diretamente afetada, áreas de influência e de atingido.
b) A artificial exclusão dos Povos Indígenas que vivem na área denominada Volta Grande do Xingu – com uma extensão de mais de 100km, para a qual está prevista a redução em até 80 % da vazão do rio – do conjunto de « atingidos diretamente » pelo empreendimento. São eles: Juruna do Paquiçamba, Arara da Terrã Wãgã, Xikrin do Bacajá e grupos Juruna, Arara, Xipaya, Kuruaya e Kayapó que, imemorial e/ou tradicionalmente, habitam as margens deste trecho do Rio.”
c) A inexplicável exclusão dos Povos Indígenas Xipaya e Kuruaya que habitamrespectivamente as margens dos rios Iriri e , principais tributários do rio Xingu, nesta região do conjunto de etnias que vivem no trecho Médio do rio Xingu e seus tributários.
d) A violação aos direitos dos Povos Indígenas, assegurados tanto na Constituição Brasileira, quanto na Convenção 169 da OIT - as quais determinam que os Povos Indígenas afetados sejam antecipadamente consultados por meio de procedimentos probos.
A ausência e/ou insuficiência de estudos hidrológicos, envolvendo níveis de água, hidrossedimentologia e implicações sobre lençol freático e desdobramentos sobre a qualidade da água. Esta insuficiência resulta, por um lado, em desconsiderar a severa diminuição dos níveis de água no trecho seccionado do rio (Volta Grande); a drástica diminuição do lençol freático e a redução de níveis de água de até cinco metros em trecho entre a barragem Pimental proposta e a foz do rio Bacajá. Consequentemente, desconsidera o grau de insegurança hídrica a que as populações que habitam essa região serão submetidas. Por outro lado, na altura da cidade de Altamira, a desconsideração das consequências do aumento do lençol freático e dos riscos do afloramento de água na cidade torna imprecisas as cotas informadas no EIA.
e) O prejuízo econômico decorrente do funcionamento sazonal da usina, que resultará da ociosidade operativa de Belo Monte - imposta inexoravelmente pela vazão natural flutuante do rio Xingu, a qual impõe um gap superior a 60% entre a potência instalada e a potência média estimada durante o ano. Esta omissão na análise, simultaneamente, afeta a conclusão sobre a viabilidade técnica e econômica da obra bem como abre capítulos futuros de ameaças ambientais e sociais já identificadas no passado sobre grandes extensões territoriais potencialmente alagáveis, caso sejam construídos barramentos a montante para regularizar a vazão do rio.
f) A perda de biodiversidade da região – inclusive de espécies endêmicas – exclusiva da situação proporcionada pela barreira geográfica que são as corredeiras e pedrais da Volta Grande, que isola em duas ecorregiões os ambientes aquáticos da bacia do Rio Xingu, constituindo habitats únicos que serão destruídos. Alerta-se que, apenas com base no caráter irreversível do impacto sobre a ictiofauna no Trecho de Vazão Reduzida, a conclusão técnica que deveria ser formalizada no EIA é que o empreendimento AHE Belo Monte do ponto de vista da ictiofauna é tecnicamente inviável, e irá provocar a mortandade de milhões de peixes ao longo dos mais de 100 km da Volta Grande.
g) A ausência de análise preditiva sobre a aceleração do desmatamento resultante do projeto e seus efeitos, da nova dinâmica demográfica e fundiária e de suas repercussões sobre o acesso à terra, aos serviços de educação e de saúde. No caso da saúde, ainda, os riscos da proliferação de doenças como a malária, da reurbanização da febre amarela e de recrudescimento da síndrome de Altamira.
h) Inúmeros problemas nos estudos de impacto ambiental em praticamente todas as disciplinas envolvidas, incluindo erros metodológicos ou insuficiência nas coletas de dados; omissão de publicações relevantes nas revisões de literatura, coincidindo com aquelas que poderiam evidenciar problemas no projeto; e análise enviesada das informações obtidas de forma a justificar subestimativas dos impactos do projeto.
2. Em 01 de fevereiro de 2010, o Presidente do IBAMA concedeu uma licença ambiental parcial (Licença Prévia nº 342/2010), vinculada ao cumprimento de 66 condicionantes, dentre as quais estudos apontados como insuficientes pelo Painel de Especialistas.
3. Em dezembro de 2010, especialistas de diversas disciplinas, participando do III Encontro Latinoamericano Ciências Sociais e Barragens, novamente destacaram a não racionalidade deste projeto, por suas inconsistências e incongruências econômicas (custo do projeto, imprevisibilidade e superestimação da quantidade de energia gerada); ambientais (desmatamento, efeito estufa, destruição de ecossistemas, perda de biodiversidade e de espécies endêmicas vegetais e animais); e sociais (deslocamento compulsório de populações urbanas e rurais, migração desordenada, riscos à saúde; à segurança alimentar; à segurança hídrica; estrangulamento dos serviços de saúde e educação). Ver: III Encontro Latinoamericano Ciências Sociais e Barragens, 2010, Belém. Anais. Belém : NAEA, 2010. Lideranças indígenas, do movimento social da cidade e do campo de Altamira, presentes neste Encontro em mesas redondas e rodas de diálogo, mais uma vez ressaltaram questões críticas do Projeto e o que é inaceitável: o desrespeito aos direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, ribeirinhos e a ameaça às suas existências pela completa reviravolta em seus modos de vida. Não é possível ignorar as palavras do Cacique Raoni que em nome da paz e do respeito exigia a não construção da Hidrelétrica de Belo Monte. O Painel de Especialistas, baseado nas análises realizadas e no acompanhamento do não cumprimento das condicionantes constantes da Licença Previa nº 342/2010, de 01 de fevereiro de 2010, compartilha das mesmas preocupações dos Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais e movimento social e endossa as palavras do cacique Raoni.
4. Desde a concessão da Licença Prévia, lideranças indígenas e o movimento social de Altamira acompanham a atuação da FUNAI, dos governos locais, do fórum de prefeitos e ainda da empresa Norte Energia que, no afã de produzir adesões e imobilizar as posições de atores críticos à realização da obra, utilizam-se de uma série de estratégias de cooptação, que vão da oferta de cestas básicas, combustível, etc., até constrangimentos e intimidações para compra das terras de agricultores familiares que vivem na área agora que o governo pretende liberar para a construção do canteiro. Provocam, deste modo, o faccionalismo entre grupos indígenas e camponeses e semeiam o medo e a migração precoce daqueles que temem tudo perder.
5. As posições dos Governos Federal, Estadual e Municipal têm se concretizado no sentido de reduzir e ignorar as críticas. As recomendações e questionamentos dos especialistas não são respondidos; as denúncias, apelos, demandas e preocupações dos movimentos sociais e dos povos indígenas são ignorados; o papel fiscalizador do Ministério Público Federal, expresso em uma dezena de ações civis públicas, é desconsiderado. Os convites procedentes de organizações da sociedade civil para a realização de debates públicos são silenciados.
6. Acompanhamos o movimento de peças no jogo político. O governo brasileiro, em 01 de janeiro de 2011, reafirmou os compromissos deste projeto que há mais de duas décadas tem sido contestado. Reafirmação simbolizada na recondução do Ministro de Minas e Energia para dar continuidade às decisões ou aos compromissos previamente assumidos com os atores interessados em sua implementação. As condicionantes anexadas às licenças ambiental prévia e de instalação atestam, por um lado, a complexidade do projeto e o não cumprimento da legislação nacional referente ao tema. E, por outro, sugerem a pressão para emissão destas licenças, em condições de descumprimento da lei e de abandono das cautelas técnicas.
7. Em 26 de janeiro de 2011, o presidente substituto do IBAMA concedeu a Licença de Instalação (nº770/2011), autorizando a instalação do canteiro, alojamentos para trabalhadores, abertura de estradas e outras obras de infra-estrutura da construção, novamente acompanhada de condicionantes. Simultaneamente, emitiu a Autorização de Supressão de Vegetação nº 501/2011, que autoriza o desmatamento de 238,1 hectares, sendo 64,5 hectares integrantes de Área de Preservação Permanente (APP). Cabe ressaltar, em particular, que a Licença de Instalação nº770/2011, foi precedida por lacônico ofício da FUNAI, emitido em 20 de janeiro de 2011, no qual o seu Presidente afirma não haver “óbice para emissão da licença Instalação-LI das obras iniciais do canteiro de obras da UHE Belo Monte” (Ofício nº013/2011/GAB-FUNAI).
8. Em 02 de fevereiro de 2011, o presidente substituto do IBAMA prossegue com as autorizações, desta feita emitindo a Autorização de Abertura de Picada nº505/2011 nos rios Xingu e Bacajá, onde se encontram as Terras Indígenas Trincheira-Bacajá, Paquiçamba e Terrã Wãgã .
9. Em 27 de janeiro de 2011, 43 organizações e associações da sociedade civil, inclusive associações indígenas, em nota de repúdio à Licença de Instalação nº770/2011 do IBAMA afirmam que vão continuar se opondo ao desastre social e ambiental iminente e responsabilizam « o Governo Brasileiro por qualquer gota de sangue que venha a ser derramada nesta luta ». Disponível em www.xinguvivo.org.br
10. Em 27 de janeiro de 2011, O Ministério Público Federal (MPF), no Pará, ajuizou ação civil pública em que pede a suspensão imediata da licença concedida pelo IBAMA (Processo nº 968-19.2011.4.01.3900 – 9º Vara Federal em Belém). Em nota divulgada pela ASCOM/PR-Pará, o MPF, afirma que « a licença é totalmente ilegal porque não foram atendidas pré-condições estabelecidas pelo próprio IBAMA para o licenciamento do projeto, como a recuperação de áreas degradadas, preparo de infraestrutura urbana, iniciativas para garantir a navegabilidade nos rios da região, regularização fundiária de áreas afetadas e programas de apoio a indígenas. Até a emissão da mencionada licença, 29 condicionantes não tinham sido cumpridas, 04 foram realizadas parcialmente e sobre as demais 33 não há qualquer informação ».
11. Em 20 de dezembro de 2010, em vídeo gravado, José Carlos e Josinei Arara já informavam que jamais receberam visita da FUNAI, para falar ou esclarecer sobre as condicionantes indígenas incluídas na Licença Prévia de Belo Monte. No caso específico da Terra Indígena Terrã Wãgã – demarcação e desintrusão – nada foi realizado (disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=KoDm3SHeEys). Igualmente, a liderança Ozimar Pereira Juruna afirma que não houve qualquer ação relativa à fiscalização e à ampliação da Terra Indígena Paquiçamba. Segundo Ozimar Juruna, o coordenador da FUNAI em Altamira afirmou, em visita à aldeia ocorrida no mês de dezembro, que Belo Monte não seria construída sem o atendimento às condicionantes. (disponível em:http://www.youtube.com/watch?v=dycQ49n9mGw&feature=related). Estas Terras Indígenas estão situadas na Volta Grande do Xingu e ambos ratificam a falta de conhecimento de ações relativas ao cumprimento das condicionantes e reiteram a absoluta falta de participação em qualquer decisão tomada pela FUNAI.
12. No acompanhamento da execução das Ações Antecipatórias como requisito para emissão da Licença de Instalação de Belo Monte, registramos importantes lacunas no Programa de Orientação e Monitoramento da População Migrante e no Projeto Básico Ambiental, em especial no Programa de Monitoramento dos Aspectos Socioeconômicos, no Plano de Atendimento à População Atingida e no Plano de Atendimento à Saúde. Programa de Orientação e Monitoramento da População Migrante - Há três questões que chamam especialmente atenção neste Programa:
1)A confiança do empreendedorem sua capacidade de definir sem quaisquer margens de erro o número de imigrantes que serão atraídos pela obra;
2) O comprometimento do empreendedor com os objetivos como “acompanhar”, “monitorar”, “apresentar informações” e “subsidiar estudos”, ações que não implicam uma responsabilidade efetiva sobre os impactos a serem gerados pela imigração maciça na região;
3) A ausência de obrigatoriedade legal do empreendedor a respeito de ações mitigatórias associadas aos processos imigratórios gerados pela obra;
4) A ausência de comentários a respeito da relação entre a imigração gerada pela obra e a pressão sobre as terras indígenas, unidades de conservação e o mercado de terras da região.
Projeto Básico Ambiental – Predomina neste Plano a subestimação da incerteza, isto é, prevalece a suposição de que há controle e de que este controle é suficiente para legitimar politicamente, ao mesmo tempo, as instituições de controle e o empreendimento. Mas acontece que em lugar de “preocupações infundadas”, como supõe implicitamente o otimismo tecnológico do PBA, tratam-se de questões intelectualmente fundadas, através das quais não se demanda ingenuamente “incerteza zero”, mas sim a consideração de que a incerteza é mais radical do que aquela admitida pelos planejadores. Eis, pois a pergunta fundamental que falta: há alguma boa razão para não levarmos em conta estes desconhecimentos?
Programa de Monitoramento dos Aspectos Socioeconômicos - Nos indicadores preliminares estabelecidos para o monitoramento, estão ausentes aspectos importantes ligados à questão ambiental como as transformações e conflitos relacionados à posse da terra e às transformações no acesso e apropriação de ecossistemas necessários à manutenção da vocação produtiva de certo número de grupos populacionais e da constituição de suas identidades. No tema fundiário, além do acompanhamento da negociação e aquisição de benfeitorias e imóveis rurais, não estão formulados indicadores que permitam fazer o monitoramento dos possíveis processos de concentração de terras que já estão acontecendo e que poderão se acirrar a partir do início das obras. Processos que afetariam principalmente a agricultura familiar, a silvicultura, a pecuária familiar e as atividades extrativistas. Esta dinâmica fundiária relaciona-se inclusive com a manutenção ou não das condições de um eventual retorno da população para seus lugares de origem. Os temas que aparecem como estudos a serem eventualmente desenvolvidos e não como indicadores são centrais para se compreender qualitativamente as transformações, tal como, por exemplo, nas condições de vida da população e nas mudanças nos modos de vida.
Plano de Atendimento à População Atingida - Este plano, sobretudo em relação às áreas urbanas, pode ser compreendido como um plano de reforma fundiária fundamentado na remoção/relocação e na regularização fundiária de determinados assentamentos urbanos descritos como vulneráveis ou de interesse social. Os principais argumentos que visam a legitimar os programas e projetos estão fundamentados na idéia de “melhorias das condições de vida das populações atingidas”. Entretanto, as condições de melhorias não são explicadas. Há uma espécie de crença que associa melhoria de vida à dinamização do “mercado”. A insatisfação da população, os potenciais conflitos ou o não reconhecimento do potencial de “melhorias” das ações propostas, de acordo com o relatório, podem ser solucionados através de um Plano de Redução – proposto tanto para as áreas urbanas, como para as áreas rurais. Este, por sua vez, é apresentado como estratégia de convencimento.
Plano de Atendimento à Saúde - O empreendedor propõe estruturar a AtençãoPrimária, porém não faz referência à estruturação da média e alta complexidade do sistema de saúde. No Programa de Vigilância Epidemiológica, Prevenção e Controle de Doenças e no Programa de Controle da Malária são citados procedimentos clássicos da vigilância epidemiológica, porém não define fluxos de referência e contra-referência em caso de surtos ou epidemias. Não apresenta um programa adequado aos impactos gerados pelo fluxo migratório para a construção do projeto, como por exemplo: o aumento das DST/AIDS, violência, uso de álcool e drogas e outros. Ainda nesse contexto de fluxo migratório, o empreendedor não considerou o cenário de risco relacionado à síndrome hemorrágica de Altamira (SHA), uma patologia autóctone da região da rodovia Transamazônica, principalmente no município de Altamira, definida como uma púrpura trombocitopênica de natureza imunológica, desencadeada, em indivíduos hipersensíveis pela secreção salivar introduzida através da picada de determinada espécie de insetos hematófagos do gênero Simulium (borrachudos, ou piuns).
Alertamos a sociedade brasileira para o risco da reurbanização da febre amarela, pois os fatores de risco potencial estão presentes no contexto do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte: a) presença do Aedes Aegypty nos municípios de influência direta e indireta do AHE Belo Monte: b) intenso processo migratório levando a possibilidade de importação do vírus dos ambientes silvestres para os urbanos. A febre amarela reveste-se de grande importância epidemiológica por sua gravidade clínica e elevado potencial de disseminação em áreas urbanas.
As secretarias municipais e estadual de saúde são citadas como parceiras responsáveis pela execução dos programas. Dessa forma o empreendedor externaliza a responsabilidade lançando o ônus dos impactos para a sociedade local. Ademais, não são apresentadas as capacidades institucionais para realizar as ações, principalmente: Vigilância Epidemiológica, Sanitária, Ambiental e Saúde do Trabalhador. O Programa de Saúde e Segurança, restringe-se a descrever as normas regulamentares do Ministério do Trabalho. Assim, não se trata de um programa de saúde especifico que reflita ações para o enfrentamento das realidades locais e as incertezas envolvendo a complexidade dos impactos à saúde da população.
13. No conjunto de documentos sobre Belo Monte disponível na página eletrônica do IBAMA, não há qualquer arquivo sobre Programas e Planos referentes aos Povos Indígenas.
14. O acompanhamento do Plano Básico Ambiental, do atendimento das condicionantes expressas na Licença Prévia e das justificativas expressas na “Licença de Instalação Parcial” - que sequer figura na legislação referente ao Licenciamento Ambiental Brasileiro - evidenciam, para nós membros deste Painel, que existe um processo de transformação daquilo que deveria ser prévio e condicional em medida genérica de acompanhamento e monitoramento. Avilta-se, através deste triste exemplo, a possibilidade do licenciamento ambiental se constituir enquanto ferramenta de planejamento público e como peça de compromisso social. Procura-se decompor uma das etapas da licença para atender a temporalidade particularista da “janela hidrológica” que atende ao cronograma da construção civil e suprime a cidadania e direitos da população ameaçada pelo projeto, pela pressa administrativa e pela superficialidade das ações tomadas após a concessão da Licença Prévia. Este último movimento do processo de licenciamento denota descompromisso do empreendedor com o equacionamento entre o aproveitamento hidrelétrico pretendido, os direitos da população e o meio ambiente.
O Painel de Especialistas alerta a opinião pública e as autoridades máximas do governo brasileiro para os riscos de uma situação social explosiva, e endossa a preocupação com consequências ecológicas e culturais nefastas e irreversíveis.
O Painel de Especialistas apela aos cientistas brasileiros e do mundo a adotar uma posição crítica e vigilante, a direcionar os seus estudos para produzir evidências sobre o desastre econômico, social e ambiental anunciado, a compartilhar do esforço de publicizar resultados de pesquisas sobre as questões técnico-científicas e políticas do projeto.
O Painel de Especialistas repudia a concessão da Licença de Instalação nº770/2011, a Autorização de Supressão de Vegetação nº 501/2011 e a Autorização de Abertura de Picada nº505/2011 e convoca os cientistas do Brasil e do mundo a se unirem em defesa do compromisso social da Ciência e de seus profissionais de não realizar atos ou tomar decisões que representem destruição de culturas, extinção de espécies e ameaça à vida e à paz. Amazônia, Brasil, 04 de fevereiro de 2011.
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